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Por Cezar Miola, Presidente da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil)
Dois movimentos concomitantes, o primeiro na área legal e o segundo na comunicação, têm exigido uma transformação do poder público brasileiro nos últimos anos. Curiosamente, ambos avançam em uma cooperação silenciosa e não combinada, para o bem da democracia e da cidadania. Quem enxerga essa dinâmica, aproveita oportunidades para impulsioná-la. E a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) tem procurado seguir nessa trilha.
O primeiro vem de uma mudança cultural. Apesar de muitos tropeços, aos poucos o Brasil vai deixando para trás a cultura do sigilo e dando passos importantes para ingressar numa era de mais transparência. Após a consolidação da redemocratização, a sociedade passou a contar com a abertura do setor público como um direito constitucional fundamental. E isso provocou mudanças legais que ainda precisam de plena implementação.
Uma importante inovação foi a Lei da Transparência (Lei 131/2009), que passou a exigir a divulgação dos gastos públicos na internet. Poucos anos depois, a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) ofereceu ao cidadão a possibilidade de solicitar informações governamentais sem necessidade de apresentar motivação para o pedido. Em 2012, uma portaria interministerial regulamentou a divulgação de informações mais abrangentes sobre a Administração Pública. Já em 2017 sobreveio a Lei 13.460, cuidando da participação, proteção e defesa dos usuários dos serviços prestados pela administração pública. E na Justiça Eleitoral há uma infinidade de regras que se encaixam nesse processo, como a divulgação de doações de campanha e do patrimônio dos candidatos.
O segundo movimento tem origem nos avanços científicos e tecnológicos que impactam a comunicação entre as pessoas. As redes sociais e os aplicativos de mensagem instantânea tornaram o diálogo público mais horizontal, mais rápido, mais amplo e mais simples. Isso vale para temas complexos, coisas do cotidiano, opiniões, fatos comprovados e, queira-se ou não, até para as fake news.
A convergência desses dois processos coloca o poder público sob nova perspectiva: é preciso praticar e fomentar a transparência (respeitadas, evidentemente, as restrições quando se tratar, por exemplo, da segurança de Estado e da privacidade das pessoas). Ao mesmo tempo, deve ser capaz de se comunicar em um ambiente muito mais informal, direto e frenético (sem deixar de ser comedido, preciso, legalmente fundamentado e legítimo).
Consciente desse cenário, a Atricon lançou três notas recomendatórias aos 33 Tribunais de Contas brasileiros ao longo de 2023, todas com o objetivo de contribuir com os novos desafios destes tempos de tantas e de tão profundas transformações.
A Nota 3/2023 (…) sugere às Cortes que definam diretrizes de comunicação, a fim de ampliar o acesso da sociedade a serviços públicos e a informações capazes de estimular o exercício da cidadania. O documento indica os 12 princípios formulados pela Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABC Pública) como um guia nessa tarefa. E, a par de outros aspectos, alerta para a importância de se fiscalizar o aporte de recursos públicos que podem desaguar em portais e outros espaços que, paradoxalmente, fomentam a desinformação e ajudam a corroer a democracia.
A Nota 4/2023 (…) recomenda aos TCs a adoção de uma linguagem simples na sua comunicação, como forma de facilitar o entendimento por parte da população. E a premissa é também simples: o rigor técnico não depende de jargões ou formulações rebuscadas. É dever do poder público transmitir informações que sejam entendidas pela sociedade. Também compõe a nota a aplicação do direito visual, que significa o uso de elementos gráficos (como imagens, ícones, ilustrações, tabelas e mapas) para facilitar compreensão dos documentos jurídicos e a própria execução dos seus conteúdos.
Por fim, a Nota 5/2023 (…) orienta a criação de mecanismos de participação social nas atividades dos órgãos de controle, como o uso de aplicativos de celular para aproximar o cidadão. Se o controle deve estar a serviço da sociedade, legítimo é que esta seja ouvida no processo.
Olhadas em conjunto, essas três recomendações demonstram o compromisso da Atricon com uma administração pública mais dialógica, confiável e acessível, pré-requisitos essenciais para a efetivação do princípio republicano e para que a democracia viceje.
O controle não é um fim em si. Existe para ajudar a garantir uma gestão proba, eficiente, eficaz e efetiva. Sabendo que nenhum desses resultados será plenamente alcançado à sombra, com ouvidos moucos e olhos cerrados, os Tribunais de Contas são aliados certos para se concretizar tais objetivos.
Fonte: JOTA | Foto: Agência Senado
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