Pedro Cavalcante, do Ipea: é possível inovar no setor público

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Soluções inovadoras no setor público podem melhorar a qualidade dos serviços e da gestão

Inovação costuma ser um termo imediatamente ligado ao setor privado. O setor público, por sua vez, frequentemente aparece como sinônimo de lentidão, burocracia e ineficiência. Mas não precisa ser assim.
No livro Inovação no Setor Público: teoria, tendências e casos no Brasil, publicado em outubro, um grupo de pesquisadores do Ipea mostra como é possível tanto para melhorar os serviços prestados à população como para estimular o desenvolvimento do setor privado e da economia do país como um todo, a partir da incorporação de práticas inovadoras à máquina pública.
O pesquisador Pedro Cavalcante, especialista em administração pública do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um dos organizadores do livro, aponta que o principal objetivo é que a inovação possibilite um trabalho em conjunto entre os diversos setores do Estado.
“Há uma infinidade de novas demandas e transformações sociais, problemas complexos com os quais o governo tem de lidar e que não mais se resolvem com respostas padronizadas”, diz. Em entrevista a EXAME, Cavalcante comentou sobre as iniciativas inovadoras no Brasil e as barreiras que o setor público brasileiro ainda enfrenta para inovar, como limite de orçamento e aversão a risco.

O que é considerado inovação dentro do setor público?

Há uma visão estereotipada de que inovação está associada a grandes disrupturas tecnológicas, sobretudo as oriundas do setor privado. Na verdade, o conceito minimalista de inovação é: uma boa ideia que gera impactos positivos. Se para o setor privado algo positivo é lucro e participação no mercado, para o setor público, o resultado pode ser materializado em serviços públicos de melhor qualidade ou mais econômicos ou em processos na administração pública que são mais difíceis de mensurar, como legitimidade, confiança, pertencimento a uma comunidade. É importante entender que barreiras existem na iniciativa privada e na pública, e é preciso saber como criar culturas de inovação adaptadas a essas realidades distintas.

Qual a importância de ter inovação no setor público?

Muitas inovações do setor público foram e são fundamentais hoje. Nas grandes descobertas, é o Estado quem entra investindo pesado com suas agências de pesquisa, universidades, organizações, para criar essa tecnologia que aí passa a ser incorporada. Foi o que aconteceu com a internet nos Estados Unidos. O Vale do Silício não cria as grandes tecnologias; o que ele faz é conectar e melhorar uma tecnologia financiada pelo Estado. Os países mais desenvolvidos do mundo investem em ciência e tecnologia. E várias dessas inovações no começo não são atrativas, porque o custo de implantação é muito alto, e é aí que precisamos do setor público.

Que tipo de iniciativa de inovação pública é possível de se destacar no Brasil?

Há projetos como o Portal da Transparência, criado em 2007, que introduz para a população e órgãos de controle o acesso a informações que eram menos transparentes. Aumenta a capacidade de controle social e mesmo estatal, que pode criar melhores políticas públicas com base naqueles dados. Esse tipo de iniciativa traz um resultado que não dá para mensurar em números, mas que é extremamente positivo para a sociedade. Outro aspecto positivo é que o Brasil, nos últimos 20 anos, evoluiu muito em termos de condições socieconômicas da população e combate à pobreza. E isso graças a políticas públicas eficientes, porque o nosso PIB não aumentou tanto. Isso é resultado de bons arranjos de política pública, que nascem a partir de boas ideias. O Bolsa Família é um caso clássico: é replicado em mais de 40 países pelo mundo, justamente por seu sucesso aqui, ajudando famílias a romperem com a pobreza intergeracional.

Como a inovação pode ajudar a resolver problemas na gestão pública?

Há uma infinidade de novas demandas e transformações sociais, problemas complexos com os quais o governo tem de lidar e que não mais se resolvem com respostas padronizadas. Inovação é uma resposta para isso. O problema de drogas em São Paulo, por exemplo: tem de ser tratado de forma multicausal, e a inovação atua para dar novos olhares a problemas complexos como esse. Colaboração entre os setores é essencial: é preciso contar com a atuação das secretarias de assistência social, saúde, segurança. Juntos, elas vão entender o problema e conseguir criar soluções, inovar no desenho de uma política que vai de fato criar resultados.

Políticas de inovação precisam de tempo para acontecer. No setor público, onde a troca de governo costuma levar a uma grande ruptura de diretrizes em relação à gestão anterior, isso pode atrapalhar?

No setor público, isso faz parte do negócio. As organizações que mais inovam são as mais estruturadas e legitimadas, que estão menos sujeitas às mudanças. Ministérios como Saúde e Educação, por exemplo, têm financiamento previsto na Constituição e, historicamente, conseguem construir sua agenda e implementar inovação independentemente do governo. É uma burocracia especializada, que constrói política pública junto com estados e municípios e consegue ter uma característica atemporal. Por outro lado, ministérios menores, em setores que têm baixa obrigatoriedade de financiamento e baixa regulamentação, sofrem com a rotatividade eleitoral e estarão mais sujeitos à oscilação.

No Brasil, quais as maiores barreiras para inovar no setor público?

Há excesso de regulação em alguns setores, limite de orçamento, aversão a risco por parte dos gestores públicos. Inovação não tem manual, é preciso fazer diferente, com espaço para que as equipes saiam da rotina diária e consigam pensar soluções. Sem tentativa e erro, não existe processo inovador.

Como o setor público e privado podem trabalhar juntos para implementar projetos inovadores no país?

A função do Estado é trabalhar em conjunto com o setor privado para propor soluções inovadoras. Um exemplo são as políticas de apoio a startups. No Brasil temos a Inovativa e Startup Brasil, duas políticas governamentais em âmbito federal que propulsionam e apoiam startups brasileiras a ganhar competitividade. E, por outro lado, muitas dessas inovações que nascem de startups do setor privado são incorporadas no governo ou voltadas para ele.  Não por coincidência, os países anglo-saxões e escandinavos são os mais inovadores no setor privado e também no setor público. É uma relação de mão dupla.

Fonte: Exame

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